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segunda-feira, fevereiro 15, 2010

TESTES LABORATORIAIS

Como em qualquer setor da medicina, aqui também é imprescindível lançar mão dos três meios de coleta de dados para chegar a um diagnóstico: história da doença atual (HDA) com a história pregressa pertinente (HP), história familiar (HF) e exames complementares.

Resolvemos comentar esse tópico considerando os três itens, concomitantemente, deixando de trata-lo de forma didática, mas adotando uma postura prática e objetiva, obedecendo aquela que o médico empregará para resolver tais problemas.
Ressaltamos que, apesar da importância dos dados coletados na HDA e na HF, nos distúrbios hemorrágicos, os testes laboratoriais dirigidos para os componentes hemostáticos, são prioritários. A razão para isso está em que, na maioria das vezes, somente com eles chegaremos ao diagnóstico de certeza, e deles dependeremos para o acompanhamento do paciente quando houver distúrbio hemorrágico.

Por estas razões, encaminharemos o nosso raciocínio tendo como base os exames para o estudo da hemostasia e usaremos os dados obtidos pela HDA e pela HF para nortearmos as investigações.

Dividiremos esse tópico em dois itens:

1 - Exames de rotina : o número mínimo necessário de testes para descobrir anormalidade no mecanismo hemostático, acompanhados da anamnese dirigida para distúrbios hemorrágicos. 2 - Exames empregados para esclarecimento do defeito hemostático.
Os exames mais específicos para caracterizar as doenças e síndromes hemorrágicas mais freqüentes, e mais raras, serão citados quando falarmos delas.

1 - Exames de rotina

Como pode ser visto na Figura 1, consideramos como exames de rotina, para o fim citado, o tempo de protrombina (TP), o tempo de cefalina, também conhecido como tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa), o tempo de sangramento (TS) e a contagem de plaquetas (CPq).



Figura 1: Na área azul constam os fatores cujo defeito é identificado pelo tempo de tromboplastina parcial ativado. Na área amarela estão os fatores cujo defeito é identificado pelo tempo de protrombina. Observar que os fatores X, V, II e I (fibrinogênio) quando alterados, prolongam os dois testes. HMWK = Cininogênio de alto peso molecular. PK = Pré-calicreina. TF = Fator tecidual. Pq = Plaqueta. O FXIII está fora do alcance desses testes. Detalhes no texto.

Na Figura 1, os fatores que fazem parte da área amarela, quando têm o nível reduzido ou algum impedimento para o seu funcionamento (anticoagulante ou defeito na estrutura molecular), alteram o TP. Já os defeitos dos fatores da área azul alteram o TTPa.
Vemos que os fatores X, V, II e fibrinogênio fazem parte das áreas azul e amarela, o que quer dizer que quando têm defeitos, ou seus níveis estão diminuídos no sangue, alteram o TP e o TTPa.

O FXIII não é atingido pelos dois exames citados; faremos, posteriormente, comentários sobre a identificação de sua alteração.

Visto isso, temos que considerar algumas exceções importantes:

a - Para cada fator da coagulação, a diminuição do nível somente altera o exame correspondente, a partir de determinado limite. Como pode ser visto no artigo de Aledort e colaboradores (ver texto integral em bibliografia), níveis de 15-18% de FVIII não alteraram o TTPa do hemofílico estudado. Também foi normal o TTPa de um hemofílico com FIX de 23%. Nesses casos, dados obtidos na coleta das HP e HF puderam despertar a suspeita de algum distúrbio no paciente.

b - Como pode ser visto na Figura 1, a diminuição do nível de FXIII não leva à alteração desses dois exames. Nesse caso, suspeitaremos de defeito desse fator quando houver hemorragia no momento ou nas HP e HF, particularmente quando os pais apresentarem consangüinidade.

c - Além do TTPa não se alterar com a variação do nível do FXIII, também não se altera com a diminuição do nível do FVII.

d - O inverso acontece com os fatores XII, HMWK e PK. A diminuição sangüínea do nível desses fatores altera o TTPa, porém, não há qualquer possibilidade de sangramento, espontâneo ou induzido por cirurgia.

e - O nível baixo de fibrinogênio nem sempre altera o TP e o TTPa, entretanto, o tempo de trombina (TT) e a dosagem do fator podem chamar a atenção para o distúrbio. Entretanto, é importante lembrar que o TT ainda é normal até o fibrinogênio atingir o nível mínimo de 1000 mg/L.

Por fim, além dos exames citados, para completar os exames de rotina, citamos o tempo de sangramento (TS) e a contagem de plaquetas (CPq).
O TS de maior sensibilidade é aquele em que se faz uma incisão no antebraço com tamanho e profundidade uniformizados por um molde, ou por meio de um dispositivo que dispara uma lâmina. Em ambos os casos, as incisões são feitas com um manguito mantendo a pressão em 40 mm de Hg. Dependendo do método, o normal máximo vai de 7 a 10 minutos.

O TS alterado serve para indicar diminuição numérica das plaquetas ou alteração funcional. Também aqui, temos que ter em mente que níveis de plaquetas até 50.000/µL podem apresentar TS normal.
O dismorfismo plaquetário no esfregaço sangüíneo, pode oferecer indicio de distúrbio funcional plaquetário.

Observações sobre os exames de rotina:

¤ Tempo de protrombina (PT)
Alguns laboratórios fornecem, apenas, o PT do paciente e fazem referência aos valores normais do método.
Esse modo de informar deixa muito a desejar, e poderá acarretar sérios problemas para o acompanhamento de pacientes que estão recebendo anticoagulação.

A razão para isso é que os resultados do PT variam na dependência da tromboplastina que está sendo empregada no referido teste.
O PT é o tempo obtido após a adição de cálcio à mistura de tromboplastina com plasma a ser estudado.
Acontece que a atividade da tromboplastina varia de fabricante para fabricante e, quando do mesmo fabricante, a atividade varia de partida para partida.
Em outras palavras, a determinação do PT de um plasma dará resultados diferentes se usarmos tromboplastinas de diferentes origens, ou de diferentes partidas.

Desse modo, com a finalidade de uniformizar os resultados do teste, a Organização Mundial de Saúde apresenta uma tromboplastina que serve de referência para a padronização das tromboplastinas empregadas no PT.
Assim, com essa tromboplastina padrão, os fabricantes de tromboplastina podem calcular o índice de sensibilidade internacional (ISI: international sensitivity index). Os melhores índices são aqueles mais próximos de 1. Com ISI mais afastado do padrão internacional, haverá maiores diferenças nos tempos de protrombina. O ISI vem referido no frasco.

Para dar maior sensibilidade ao método, emprega-se a relação do tempo de protrombina do paciente com o tempo de uma mistura de plasmas normais (5 ou mais plasmas). A esse resultado denominamos relação tempo de protrombina do paciente com o tempo dos plasmas normais.
Adicionando-se o ISI a essa relação, teremos o INR (international normalized ratio).

Desse modo, empregamos a seguinte fórmula para determinar o INR que tem o ISI como expoente:

INR = (PT DO PACIENTE/ PT DA MISTURA DE PLASMAS NORMAIS)ISI.

Os valores normais do PT variam entre 0.9 e 1.2.
¤ Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa)
O TTPa (ou tempo de cefalina) recebe a denominação "tromboplastina parcial" porque ele é efetuado com o emprego da cefalina, a qual é parte da tromboplastina, após extração por meio de clorofórmio.

O TTPa é o tempo que o plasma leva para coagular após a mistura com cefalina (tromboplastina parcial), caulim e cálcio.
Também deve ser fornecido como relação "tempo do paciente/tempo de plasmas normais". Os valores normais variam entre 0.9 e 1.2.


¤
Tempo de sangramento (TS)
Para a determinação do TS, emprega-se um dispositivo descartável que, ao disparar uma lâmina, produzirá uma incisão com 6 mm de extensão por 1 mm de profundidade.
O local da incisão é a porção ventral do antebraço, longe de qualquer vaso sangüíneo.
Esse teste é efetuado mantendo-se um manguito no braço com pressão de 40 mm Hg.
O tempo de sangramento normal não deve ultrapassar de 7 a 10 minutos.

¤ Plaquetometria
A contagem de plaquetas é efetuada em contador automático de células.
Os valores normais variam entre 150.000 - 400.000 /mm3

Baseados no que foi exposto, nos deparamos com as situações que nos obrigarão a tomar providências; são elas:

a - Havendo alteração de um dos exames de rotina, temos que prosseguir com os testes de esclarecimento, mesmo que não identifiquemos hemorragia anormal na HDA, na HP e na HF. Com isso, passaremos para o item 2.

b - Se apenas na HDA, na HP ou na HF houver evidência de sangramento anormal, o estudo para esclarecimento deverá ser efetuado, mesmo que os exames de rotina estejam normais.

2 - Exames para esclarecimento do defeito hemostático

Sempre que houver alteração em um ou nos dois exames de rotina (TP e TTPa), devemos pensar na possibilidade de decréscimo do nível de um ou de vários fatores. Para esclarecer, devemos efetuar a dosagem dos fatores.
Os fatores a serem dosados são aqueles que estiverem relacionados ao exame alterado, conforme referimos no item anterior.
Em continuação ao esclarecimento do defeito hemostático, caso haja alteração do TP e do TTPa, e as dosagens dos fatores do caminho intrínseco e extrínseco, como também dos fatores X, V e II, estejam normais, realizaremos o TT que, alterado, poderá indicar nível baixo de fibrinogênio. A dosagem desse fator confirmará, ou não, a suspeita.

Caso os exames de rotina, e os de esclarecimento estejam normais, devemos suspeitar de anormalidade do FXIII. Para esclarecer efetuamos um teste simples de solubilidade do coágulo de plasma em solução de uréia. Se o nível de FXIII estiver baixo, a ligação covalente entre os monômeros de fibrina não se fará e, conseqüentemente, a fibrina gerada será solúvel na solução de uréia. A dosagem do fator confirmará o diagnóstico.

Além de pensarmos em nível baixo de fator quando o exame de rotina estiver alterado, é imprescindível que afastemos a possibilidade da presença de um anticoagulante circulante.
Para tal, efetuamos o tempo de recalcificação da mistura do plasma do paciente com plasma normal, em partes iguais. Caso o tempo da mistura não seja maior que 4 segundos do tempo do plasma normal, dizemos que houve correção e, nesse caso, estará afastada a possibilidade de anticoagulante. Como há anticoagulante com ação tempo-dependente, devemos realizar o exame após uma hora da mistura.
Também podemos realizar, no lugar do tempo de recalcificação da mistura dos plasmas, o TP ou o TTPa, escolhendo o alterado ou o mais alterado no exame de rotina.

Prosseguindo o nosso raciocínio, caso os exames de rotina, para coagulação, estejam normais, mas o TS apresenta-se aumentado, a plaquetometria confirmará, ou não, a trombocitopenia.
Na ausência de trombocitopenia, ou quando o nível da trombocitopenia não justificar a alteração do TS, pesquisaremos defeito funcional plaquetário e Doença de von Willebrand.

Para esses esclarecimentos devemos contar com exames que somente são realizados em laboratórios especializados no estudo da hemostasia. Vários deles utilizam aparelhos mais avançados e técnicas bioquímicas, que na maior parte das vezes somente são efetuadas em laboratórios que se dedicam à pesquisa.

Vamos fornecer maiores detalhes sobre os aparelhos e as técnicas diagnosticas usadas mais freqüentemente no diagnóstico dos distúrbios funcionais plaquetários, incluindo a doença de von Willebrand.

Um novo teste, prático, está sendo empregado para o diagnóstico da vWD - é o tempo de oclusão. Para tal, é empregado um aparelho, o PFA-100 (Platelet Function Analyzer, Dade International, Massy, France) para pesquisar defeito de adesividade e agregação plaquetárias, particularmente na vWD.
O sangue total citratado é aspirado, sob alto "shear rate" (5000-6000 dyn/cm2 através de um tubo capilar para uma abertura central (diâmetro de 150 µm) de uma membrana revestida com colágeno e com agonistas plaquetários (epinefrina e ADP). O tempo requerido para obter oclusão da abertura, por um trombo plaquetário, é denominado tempo de oclusão (TO) ["closure time"].
O analizador é bem adaptado para testes de rotina, tendo as vantagens da simplicidade, da fácil execução, do emprego de variado "shear rate/stress", reprodução do ambiente "in vivo", e demonstrou grande sensibilidade e especificidade (ver bibliografia).

Outro exame importante é o estudo da agregação plaquetária por meio do agregômetro. Nesse exame, pela transmissão de luz, obtem-se um registro da agregação plaquetária com o emprego de indutores fisiológicos como: colágeno, epinefrina, ADP, trombina, e não fisiológicos como a ristocetina. Mostramos na Figura 2 a curva de agregação plaquetária produzida pelas referidas substâncias.




Figura 2: Registros da agregação plaquetária obtidos com diversos agonistas. A = curva normal bifásica. B = curva anormal demonstrando ausência da agregação pelo indutor endógeno. C = curva anormal demonstrando ausência de resposta aos indutores exógeno e endógeno. Detalhes no texto.

Na figura 2 a curva A é normal e de tipo bifásica produzida por indutores fisiológicos como a epinefrina ou o ADP. As concentrações das substâncias, usadas no teste, podem variar na dependência da finalidade do estudo. A primeira parte da curva é gerada pela ação direta da substância empregada; já a segunda parte decorre da ação de substâncias excretadas pelo sistema canalicular aberto, e derivadas dos corpos densos (reação de liberação) no momento em que a plaqueta é ativada.

Fica fácil entender que se houver deficiência de substâncias do "pool" de armazenamento, ou defeito das reações decorrentes da ação do indutor sobre seu receptor na membrana plaquetária, a segunda parte da curva estará ausente já que não serão liberadas as substâncias responsáveis pela agregação endógena. A curva característica desse tipo de resposta é a B. Esse tipo de curva é visto nas deficiências de substâncias do "pool" de armazenamento e nos distúrbios da transdução de sinais.

Na curva C, a curva é plana em virtude da ausência de resposta aos indutores externos e internos. Esse tipo de resposta é encontrado na Trombastenia de Glanzmann com o emprego dos indutores fisiológicos e na doença de von Willebrand com o emprego da ristocetina.

Outros testes, mais específicos para determinados distúrbios, serão comentados no tópico correspondente.

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